Entre festa, convite, luz piscando no WhatsApp e a clássica tentativa de “vamos marcar algo na virada do ano?”, existe um desejo proibido que ninguém admite em voz alta:
Sumir.
Não pra sempre. Calma. Só por uns dias. O suficiente pra recuperar a sanidade que dezembro rouba com a mão leve de um ladrão experiente e o sorriso cínico de quem ainda diz: “relaxa, é só uma fase”.
Tem gente que fantasia praia, viagem, aventura, gente bonita brindando com taça cara. Mas o sonho mais honesto de dezembro é outro:
Pijamão velho. Casa silenciosa. O ar-condicionado no talo. Comida que se come com colher direto do pote. Série idiota passando no fundo. E nenhuma alma exigindo tua presença emocional como se fosse um direito adquirido.
Nada de confraternização. Nada de amigo secreto. Nada de “precisamos nos ver antes do ano acabar”.
Não. Não precisamos.
É só silêncio. É só não ter que sorrir por educação. É só existir sem plateia.
O problema é que dezembro cobra presença como se a gente fosse servidor público da vida social: presença na firma, presença na família, presença nas redes, presença até naquele grupo de WhatsApp que tu nem lembra por que entrou.
É presença demais pra energia de menos.
E quando tu acha que acabou, vem a virada do ano. Fogos. Barulho. Explosões de esperança industrial à meia-noite.
Enquanto metade da humanidade pula, grita e promete “agora vai”, a outra metade só quer uma coisa profundamente subversiva:
Dormir antes da meia-noite.
Sem culpa. Sem contagem regressiva. Sem abraço suado desejando “tudo de bom” com hálito de espumante barato.
Mas não. Tem que aguentar os fogos. Tem que aguentar o vizinho testando rojão ilegal. Tem que aguentar a obrigação coletiva de acreditar que mudar o número do calendário vai automaticamente consertar a vida.
Não vai.
E tá tudo bem admitir isso. Porque 2025 não foi um ano neutro. Foi um ano em que muita coisa mudou — mesmo pra quem fingiu que não.
Teve gente que começou um relacionamento novo. Teve gente que encerrou um casamento de 20 anos. Teve quem emagreceu 15 quilos tentando se salvar. Teve quem engordou 18 tentando sobreviver. Teve quem não mudou de corpo, mas trocou de remédio, tentando só continuar funcionando. Teve quem perdeu emprego. Teve quem foi promovido. Teve quem caiu. Teve quem levantou. Teve quem fez as duas coisas no mesmo mês.
E nada disso é fracasso. É vida acontecendo fora do controle. Porque a vida não pede permissão pra mudar. Ela muda.
Ensina. Arranca. Devolve diferente.
E segue.
Isso não é misantropia. Não é amargura. É fadiga social. Cansaço de gente. Cansaço de barulho. Cansaço de ter que interpretar o papel de pessoa funcional quando, por dentro, tudo o que a cabeça pede é… pausa.
A mente pede pausa. O corpo pede pausa. A alma pede férias remuneradas pelo universo.
E o calendário responde: “Evento dia 22, almoço dia 23, ceia dia 24, repeteco dia 25, festa dia 31. Beijos.”
Dezembro é esse tirano carismático: enche tua agenda, infla expectativas, e depois finge surpresa quando tu só quer jogar o celular no mar e acordar em fevereiro.
O sonho secreto de desaparecer por alguns dias não é fuga. É sobrevivência. É o milagre silencioso que salvaria metade da saúde mental do país.
Porque, antes de estar presente pros outros, a gente precisava conseguir estar presente pra si.
E no dia primeiro, depois do réveillon mal dormido, vale ressuscitar aquela maldita lista de metas de 2025 — nem que seja no Ctrl C, Ctrl V pra 2026.
Não porque “o ano novo exige”. Mas porque seguir vivendo sem nenhum horizonte cansa ainda mais.
A vida precisa de objetivo pra fazer sentido. Até jogo tem objetivo. E a nossa vida, convenhamos, está em modo hard faz tempo.
Então lava o rosto. Olha no espelho. Respira fundo o suficiente pra não mentir pra si mesmo.
E só então repete, com convicção treinada: “Eu posso. Eu quero. Eu consigo.”
Se não funcionar, solicite indenização coletiva dos coaches motivacionais.
Que o final de 2025 seja gentil contigo. E que 2026 venha menos cruel, menos barulhento e, se possível, um pouco mais humano pra todos nós.
E por favor… sem fogos de artifício barulhentos. (Dessa vez é sério.)
Então sim, o ano acaba. As luzes apagam. Os fogos cessam. O calendário vira.
Mas não se iluda achando que isso é um final feliz.
É só um intervalo. Eu descanso. Recarrego. Me recolho.
E deixo o aviso, com educação e um leve tom de ameaça: O ano termina. Mas ano que vem eu volto.
Por Sarah Bruning Ascari — psicóloga em crise existencial, colunista por teimosia e especialista em dizer verdades que muita gente prefere evitar.
Contato: sahbruning@gmail.com
Aceito propostas, críticas construtivas e debates civilizados. Só não aceito pirâmide financeira, corrente de oração, spam e coaches. (Já tentei pensar positivo. Não funcionou.)



























