Têm datas que definem o fim do ano:
13º pingando, promoções de verão, e o pesadelo coletivo do capitalismo cordial — o amigo secreto da repartição.
Se existisse um ranking oficial de rituais sociais questionáveis, ele estaria no topo.
É o experimento sociológico anual pra medir quanto constrangimento um grupo aguenta antes de alguém fingir um desmaio estratégico só pra ir embora mais cedo.
Tudo começa com o sorteio:
papelzinho amassado, nome ilegível, alguém pedindo pra trocar porque “pegou uma pessoa difícil”.
Difícil = alguém com quem tu trocou dois “bom dia” no ano inteiro, sendo que um deles tu respondeu só com um aceno de cabeça.
A partir daí, instala-se o caos.
Tu tenta descobrir qualquer informação útil sobre a criatura sem parecer stalker.
Vasculha Instagram, Facebook, LinkedIn, e nada ajuda.
A pessoa posta pôr do sol, pastel e mensagens de bom dia.
Nem uma pista de personalidade.
É o equivalente social de tentar escolher presente pra um poste.
E então começa a peregrinação humilhante atrás do presente institucional.
A cena é universal:
tu entra numa loja derrotada, alma com cheiro de burnout, e pergunta:
— Tem alguma coisa… neutra?
Tradução: “Uma oferenda aceitável para um colega que eu não reconheceria fora do expediente.”
A atendente, fluente em desespero de dezembro, te entrega um kit pronto com a precisão de quem tem doutorado em caos festivo:
sabonete que dá alergia, hidratante com aroma de tia distante e uma vela com cheiro oficial de “desorientação espiritual”.
O objetivo não é agradar.
É cumprir tabela.
E o mais triste?
Tu sacrifica tua própria brusinha desejada — aquela recompensa emocional por não ter assassinado ninguém no expediente — para presentear alguém que tu mal conhece… ou, pior, alguém que tu genuinamente detesta.
Enquanto isso, alguém do outro lado da cidade está vivendo o mesmo tormento por ti:
tentando equilibrar o presente entre “não muito caro pra não sugerir intimidade” e “não tão barato pra não parecer ofensa”.
A previsão de dezembro é imbatível:
Tu vai dar algo inútil.
Tu vai receber algo pior.
Agenda brega.
Caneca que desbota em três lavagens.
Panetone com cheiro de estoque esquecido.
E então chega o grande dia.
Uma fila de gente levanta pra discursar e solta o clássico:
“Essa pessoa é muito especial pra mim…”
Mentira.
Se fosse especial, tu não teria perguntado pro RH quem era a criatura.
Os discursos são tão genéricos que serviriam pra 80% do prédio:
“É alguém muito querido… trabalhador… dedicado…”
Dedicado a quê? A ignorar e-mails?
E aí vem o momento mais temido: a entrega.
Tu abraça, finge surpresa, segura o presente como se fosse uma sentença e solta aquele sorriso padrão que significa:
“Obrigada, eu sei que vou odiar.”
Tu abre o pacote devagar, como quem lê um diagnóstico sombrio, enquanto todos te encaram como se fosse final de campeonato.
E lá está:
O hidratante de maracujá fluorescente radioativo.
O verdadeiro vilão do capitalismo tardio.
A pessoa te observa com o terror sincero de quem sabe que errou no cheiro do hidratante.
E naquele instante, algo morre dentro de ti — e nasce um rancor que vai durar até o próximo dezembro.
Porque a verdade é simples:
ninguém sai feliz desse ritual.
Todo mundo sai constrangido, cansado e fingindo que foi divertido.
E o pior?
Ano que vem… vão propor de novo.
E alguém vai dizer:
“Vamos participar, é legal.”
Não é.
Mas a gente vai mesmo assim.
Porque dezembro tem essa habilidade sobrenatural de transformar tortura coletiva em tradição.
Por Sarah Bruning Ascari – psicóloga em crise existencial, colunista por teimosia e especialista em dizer verdades que muita gente prefere evitar.
Contato: sahbruning@gmail.com
Aceito propostas, críticas construtivas e debates civilizados.
Só não aceito pirâmide financeira, corrente de oração, spam e coach.
(Já tentei pensar positivo. Não funcionou.)




























