22 dezembro 2025 - 6:39
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O NATAL EM FAMÍLIA NUNCA DECEPCIONA EM DECEPCIONAR

(ou: quando o solstício virou espetáculo)

O Natal é aquele evento anual em que a gente reencontra parentes que só existem uma vez por ano.
E sejamos honestos: uma vez já é mais do que suficiente pra sanidade mental coletiva.
É tipo eclipse.
Bonito de longe.
Se tu encarar tempo demais, dá dano permanente.
Tu chega na ceia e ele já está lá.
O tio que bebe demais e fala demais.
Ele não conversa.
Ele ocupa todo o espaço acústico da casa.
Interrompe qualquer frase alheia, repete histórias que ninguém pediu, fala cuspindo entusiasmo alcoólico e, em algum momento inevitável, te puxa pra um abraço suado, colado demais, com hálito que mistura cerveja, maionese e decisões erradas de 1998.
Esse homem precisava urgentemente de um copo d’água, noção básica de espaço pessoal
e um curso intensivo de “gente não é almofada”.
No chão da sala, correndo entre as pernas dos adultos, surge ele:
o primo pestinha.
Segundo a mãe, não é mimado.
Segundo qualquer pessoa com visão funcional, é sim.
Quer abrir todos os presentes antes da hora, como se todos fossem dele, afinal só existe ele no universo… na cabeça dele.
O moleque não precisava de brinquedo.
Precisava de uma coleira e um “NÃO” bem dito.
E então aparece ela.
A tia que se acha rica e superior.
Deve em meia dúzia de lojas do centro, mas fala como se fosse herdeira de um império europeu.
Nunca trabalhou, mas tem empregada.
Nunca produziu, mas opina sobre tudo.
Com tempo livre suficiente pra saber:
quem engordou, quem separou, quem “ainda não se ajeitou”.
Ela elogia tua roupa com sorriso ensaiado e, sem respirar, dispara:
— E os namoradinho?
Dá vontade de responder, com educação natalina:
“Tenho três: um terapeuta, um trauma e um ficante imaginário.
Obrigada por perguntar, tia.”
Mas tu sorri.
Porque é Natal.
E cadeia não aceita panetone.
Chega a troca de presentes.
Tu pensou.
Observou.
Escolheu algo que combinava com a personalidade de cada um.
Deu presente com intenção.
E tu recebe…
Uma toalha.
Ou uma luminária genérica.
Ou aquele presente que claramente veio da prateleira do “qualquer coisa serve”.
O Natal em família nunca decepciona em decepcionar.
Aí vem a janta.
Todos dão as mãos.
Eu já com pressão baixa, hipoglicemia
e pensamentos nada compatíveis com o espírito cristão.
Ainda tem a oração.
E quando parece que finalmente vamos comer…
o avô idoso, patriarca da família, cabelos brancos e autoridade herdada pelo tempo, resolve discursar.
Ele começa.
Se perde.
Faz pausas longas.
Esquece o ponto.
Retoma algo completamente aleatório.
Ninguém entende nada.
Todo mundo sorri.
No final, aplausos.
Sorrisos ensaiados.
Alívio coletivo.
Alguém diz:
— “Amém.”
E aí vem a parte que quase ninguém comenta na ceia, mas que explica muita coisa.
O Natal, do jeito que a gente conhece, não nasceu assim.
Antes do Natal cristão, existia o Yule.
Uma celebração pagã do solstício de inverno.
Era sobre o ciclo.
Sobre atravessar a noite mais longa do ano sabendo que, dali em diante, a luz voltaria.
Não por milagre.
Por movimento natural da vida.
O cristianismo olhou pra isso, cooptou, renomeou, reorganizou o calendário
e transformou o Yule no Natal que conhecemos hoje.
Com novos símbolos, novos discursos
e muita carga moral.
O problema não é a fé.
O problema é o excesso de performance.
Porque o Yule não exigia felicidade.
Não exigia família perfeita.
Não exigia sorriso.
Ele reconhecia o cansaço.
O frio.
O escuro.
E ainda assim celebrava a continuidade.
Talvez por isso o Natal seja tão difícil pra tanta gente.
Porque ele pede alegria
quando o que a maioria sente é exaustão.
Mas se tem algo bonito que sobreviveu a tudo isso, é a ideia original:
o ciclo continua.
A noite passa.
O sol retorna.
E a gente segue.
Então, que cada um celebre como conseguir.
Com limite, com humor, com menos culpa.
E que, no meio do caos, reste ao menos um pouco de verdade.
Feliz Yule!!
Por Sarah Bruning Ascari
Psicóloga em crise existencial, colunista por teimosia
e especialista em dizer verdades que muita gente prefere evitar.
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Natal 2025