Crônica de sobrevivência emocional para quem já confundiu amor com penitência — e parceria com karma.
Não espere aqui um guia sobre como treinar seu coração. Isso não existe.
(Acreditem, eu já tentei.)
Mas talvez este texto ajude a trazer um pouco de lucidez aos amores em colapso — ou em estado terminal.
Entre o amor idealizado e o amor possível, o que mais cansa é continuar achando que o caos é prova de intensidade.
O amor, coitado, ainda leva a culpa por tudo.
A gente entra achando que vai ser um filme de comédia romântica e descobre que é mais reality show de sobrevivência.
Tem prova de resistência, teste de paciência e, às vezes, um paredão interno entre o “fico” e o “me preservo”.
Para quem ainda confunde amor com curso de adestramento emocional.
No começo, todo mundo se acha treinador de sentimentos.
Acredita que, com um pouco de paciência, reforço positivo e uma dose de “ele vai mudar por mim”, o outro vai aprender onde é o tapete e onde é o sofá.
Mas nem sempre o amor é domesticável — e às vezes ele morde, arranha os móveis ou faz xixi no tapete da sala.
Mesmo assim, a gente insiste, acreditando que um dia o filhote-problema vai virar a metade da laranja perfeita.
Só que não percebe que essa parte tá podre — e tá te apodrecendo também.
E muita gente não quer um amor: quer um paciente.
Quer ser terapeuta de alma ferida, coach de amadurecimento ou reabilitação ambulante de vícios emocionais.
Acha bonito ser o “porto seguro”, até perceber que não dá pra ser porto quando o barco já afundou.
Tem casal que não briga: faz guerra fria.
Tem quem ame controlando, quem se sinta amado sendo controlado, e quem ache que “ciúme é cuidado” (spoiler: não é).
Aí o amor vira trincheira, e cada um se defende com o que tem: culpa, silêncio, sarcasmo, fuga, álcool, manipulação, drama…
E no meio disso tudo, o amor verdadeiro — aquele simples, leve, que se constrói no dia a dia — vai ficando soterrado sob o entulho da disputa.
Talvez o problema não seja o amor — seja a ideia de que ele precisa do sofrimento pra ser verdadeiro.
Que amar é sinônimo de aguentar.
Mas não é.
Amor não é terapia, nem penitência, nem milagre.
É construção.
E se os dois não estão erguendo juntos, alguém tá carregando tijolo sozinho e chamando isso de parceria.
A gente aprendeu a confundir amor com esforço.
Se não dói, parece raso.
Se não exige sacrifício, parece pouco.
E assim a gente se destrói tentando provar que é “intenso”.
O pior é que a gente adora romantizar tragédia.
Fala “é forte”, “é paixão”.
Mas ninguém admite que tá exausto — que vive com gastrite emocional e insônia relacional.
É que assumir cansaço soa menos nobre do que dizer “eu lutei até o fim”.
Acha bonito dizer “acredito no potencial dele” — até perceber que o “potencial” nunca chega, e o que vem no lugar é a conta do psiquiatra.
Mas amor não é penitência.
É parceria.
E amor que sangra dos dois lados, mais cedo ou mais tarde, acaba virando campo de batalha — e ninguém vence.
Às vezes o afastamento não é o fim, é o começo da lucidez.
O ponto em que cada um precisa se olhar no espelho sem ter o outro pra culpar.
Porque, no fim, o amor pode até sobreviver.
Mas o que morre é a guerra.
E, convenhamos, a ausência saudável é bem mais bonita do que a presença forçada de um campo minado.
O medo de se arrepender é normal — e traiçoeiro.
Ele se disfarça de prudência, mas o que faz mesmo é manter a gente preso onde já não há chão.
A verdade é que ninguém sabe o que vai sentir depois — mas dá pra saber quando já não dá mais pra continuar sentindo o que se sente agora.
Não é preciso decidir o fim hoje.
Só admitir que, do jeito que está, a alma anda definhando.
E quando o amor começa a adoecer, ele deixa de ser abrigo e vira prisão com móveis sob medida e transtornos mentais incluídos.
Um, três ou cinco anos é pouco pra um casamento bom, mas é tempo demais pra um ruim. (E se for mais de dez, já sabem, né!?)
Se já foi feito tudo o que dava, talvez seja hora de tentar se salvar.
Porque arrependimento se cura — mas exaustão crônica da alma, não.
Então pegue seu paraquedas e pule — vai com medo mesmo.
Porque a próxima parada pode ser cardíaca.
Escolha-se antes que o outro pule… e leve o seu paraquedas também.
Sarah Bruning Ascari – Psicóloga, colunista e autora das crônicas da vida real que nem a terapia explica.
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Aceito propostas, críticas construtivas e cafés.
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