Aviso aos navegantes e aos caçadores de bruxas digitais: esta coluna foi escrita por alguém que, aparentemente, já deveria estar sendo exorcizada na praça pública. Pois é, sobrevivi à estreia. Nenhuma criança foi possuída, nenhum gato preto desapareceu, e o único pacto que eu fiz foi com meu pó compacto. E por incrível que pareça, não fui cancelada (ainda). Será que dou sorte na segunda? Veremos…
Chega outubro e, com ele, a mesma ladainha de sempre:
“Isso é festa americana!”
“Coisa de satanista!”
“Querem acabar com nossas tradições!”
Sim, claro. Provavelmente é uma conspiração global pra aniquilar todas as crenças do planeta empanturrando as crianças de açúcar. Ou talvez seja só o lobby dos dentistas, vingando-se por décadas de pirulitos e negligência com o fio dental. Até porque nada é mais perigoso que eles com uma escova e uma tabela da Colgate.
A gente adora escolher as batalhas erradas. O mesmo povo que enfeita a casa inteira com pisca-pisca em dezembro e compra chocolate com coelhinho em abril, de repente, resolve defender a pureza cultural quando alguém veste uma capa preta e acende uma vela roxa. O drama é quase teatral — e sem maquiagem boa o suficiente pra sustentar o roteiro.
Pode ser um choque pra você, mas o Halloween, ou Dia das Bruxas, não nasceu em shopping americano nem em fábrica de fantasia. A origem é celta, muito anterior a qualquer “livro sagrado”. Chamava-se Samhain — festival que marcava o fim da colheita e o início do inverno, quando as noites se alongavam e acreditava-se que o véu entre vivos e mortos ficava mais fino. Era tempo de relembrar os ancestrais, agradecer pela colheita e se preparar para o frio — um ritual de passagem, não um pacto de bruxaria com o Capiroto.
E, ironicamente, as bruxas não acreditam no diabo — ou pelo menos não acreditavam, até conhecerem o calor da “salvação” da Santa Inquisição, lá pelo século XII. A figura demoníaca é invenção posterior, popularizada por quem precisava de vilões para justificar fogueiras. O mal não mora num sujeito de chifre — ele mora na ignorância, no medo e, às vezes, no grupo do WhatsApp da família.
Quer ver o melhor plot twist da fé?
Várias festas “cristãs” são, na verdade, remix de celebrações pagãs.
O Natal se sobrepôs ao Yule, festival nórdico do solstício de inverno.
A Páscoa, com coelhos e ovos, vem de rituais de fertilidade dedicados à deusa Ostara.
E o Carnaval, que juram ser “coisa do Brasil”, nasceu de festas romanas em homenagem a Baco, o deus do vinho e da bagunça — importamos a farra, trocamos a toga pela microssaia e fingimos que é cultura tropical.
Mas o Halloween? Ah, esse é o bode expiatório da vez — porque o brasileiro médio confunde símbolo com crença e fantasia com invocação. É curioso como tem gente que teme mais uma abóbora sorridente do que o próprio noticiário.
Halloween é sobre o que a vida deveria ser mais vezes: lúdica. É sobre brincar com o medo, rir das sombras e lembrar que nem todo escuro é ameaça — às vezes é só espaço pra criatividade. É um convite pra colocar a máscara certa no lugar das erradas. É arte, irreverência e catarse coletiva disfarçadas de fantasia barata e sorrisos frouxos. E, convenhamos, o mundo anda precisando de mais gente que se permita brincar.
Então, sim, celebre. Pinte o rosto, vista sua capa, acenda a vela, coma doces. Brinque com seus fantasmas — antes que eles brinquem com você.
E se alguém vier com o papo de “coisa de americano”, ofereça um pirulito e diga:
— Doçuras ou travessuras, meu bem? Porque ignorância… essa a gente cultiva o ano inteiro — e ainda posta no status.

Sua marca também pode aparecer aqui sem precisar vender a alma, nem fazer
dancinha de Tiktok.
Contato: sahbruning@gmail.com
Aceito propostas, críticas construtivas e cafés. Só não vale pirâmide financeira e spam
(a não ser que venham com boletos pagos).




























