11 novembro 2025 - 10:24
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Como falhar com estilo em 7 passos

(ou como a mediocridade pode ser um alívio disfarçado)

Se você pensou que ia encontrar um texto de autoajuda, sinto muito.
Aqui não tem segredo, fórmula, nem gráfico motivacional em PowerPoint.
Só o caos bem intencionado da vida real — e o lembrete de que nem todo tropeço é derrota.

Nos ensinaram que a vida é uma corrida.
Tem linha de chegada, pódio, troféu e — claro — plateia pra aplaudir o vencedor.
Mas ninguém contou que a maioria de nós vai tropeçar antes da metade do percurso, suar demais, esquecer o motivo de correr e, no fim, sair da pista pra comprar um café ruim.
A vida não é uma competição — é um tropeço coletivo disfarçado de corrida.

A sociedade tem uma lista de tarefas invisível:
“Ganhe dinheiro, seja alguém, case, tenha filhos, sorria nas fotos, vá à igreja, troque de carro, agradeça a Deus e volte a trabalhar.”
Mas a real é que boa parte das pessoas não chega nem perto de completar metade disso.

A verdade é que muitos de nós não vão ser o “exemplo de sucesso” do grupo do WhatsApp da família.
Tem gente que vai terminar a faculdade sem emprego.
Tem gente que vai casar e se separar.
Tem gente que vai continuar morando de aluguel, com uma planta morrendo na janela e o boletim bancário em coma.
E adivinha? Ainda assim, essas pessoas também vivem.

Instauraram uma ditadura da felicidade.
As redes sociais viraram um mostruário de alegria parcelada — sorrisos ensaiados, frases motivacionais baratas e filtros que prometem botox e autoestima.
Tristeza não engaja. Se você não estiver sorrindo, o algoritmo te enterra.
A melancolia virou pecado moderno, e qualquer desalento logo vira “diagnóstico”.
Como se antidepressivo fosse pílula de contentamento instantâneo.
Como se o simples fato de estar triste fosse falha moral que precisa ser escondida e medicada.

Talvez sua “depressão” seja só tristeza.
Ou talvez você só esteja usando a régua errada — aquela que mede felicidade por performance.

O problema é que a gente mede felicidade com régua alheia.
Como se o único caminho legítimo fosse a tal “vida perfeita” — um roteiro de comercial de margarina, onde ninguém sua, não erra, não faz o número dois e todo mundo tem um golden retriever.

Existe até uma religião moderna pra isso: a da ostentação.
Um culto disfarçado de motivação, onde o milagre é o networking e o pecado mortal é ter olheiras.
Os novos profetas são coaches de palco vendendo o segredo do sucesso em sete passos — porque oito daria trabalho demais.
E os novos santos são influenciadores que acordam às 13h, fazem jejum intermitente e, entre uma publi e outra, ensinam que o segredo da riqueza é “acordar às 5h e acreditar em si mesmo”.
Enquanto você repete mantras na frente do espelho e ignora o boleto vencido, eles postam “gratidão pelo dia incrível” de um rooftop em Dubai.
Nesse evangelho corporativo, todo fracasso é falta de foco e toda tristeza é sinal de baixa produtividade emocional.
A promessa é simples: “Você pode tudo.”
Desde que tenha disciplina, energia positiva, colágeno e um ring light de 12 polegadas.
E se nada disso der certo, a culpa é sua — por não acreditar o bastante ou não ter comprado o curso completo.

E se não bastasse, até o descanso virou competição.
Tem gente que transforma o domingo em planilha, o silêncio em meta e a pausa em culpa.
Se você não estiver “produzindo” até quando respira, o mundo te chama de preguiçoso.
Mas talvez preguiça seja só o nome que dão pra quem não quer morrer de exaustão.
No fim, a gente vai embora igual: com CPF cancelado e a mesma pergunta no ar — por que diabos a gente passou tanto tempo tentando parecer perfeito?

Mas o mundo real não cabe nessa autoajuda de vitrine.
A vida tem dias ruins, contas atrasadas, crises existenciais e aquele sentimento agridoce de quem sabe que nunca vai dar conta de tudo — e ainda assim segue.

Gente que não fracassa é insuportável.
Não aprende, não se dobra, não ri de si.
Vira uma caricatura de sucesso: lisa, previsível e emocionalmente estéreo.
E convenhamos, também não existe.

A mediocridade — no sentido de ser humano, falho, cansado e inconstante — não é falha, é refúgio.
Ser comum é um ato político num mundo que exige excelência até pra respirar.
Ser medíocre é o novo luxo. Pena que ainda não dá pra parcelar em 12 vezes sem juros.

O fracasso é o tempero da lucidez.
É o que separa quem só existe de quem realmente vive.
A gente cai, quebra, xinga, faz drama… e depois levanta, mesmo sem saber pra onde.
Esse movimento — tropeço e retomada — é o que dá textura à alma.

Então sim, a gente fracassa mais do que acerta.
Mas é nas tentativas desajeitadas que mora o verdadeiro estilo.
Se nada está “nos trilhos”, parabéns — talvez você finalmente esteja no caminho certo: o seu.

E não, isso não é positividade tóxica.
Essa praga moderna que exige que você veja o “lado bom” até dos traumas.
Te atropelaram? “Pelo menos era um Camaro amarelo.”
Foi demitido? “O universo tem planos melhores.”
Tá no fundo do poço? “Aproveita a vista e evolui espiritualmente.”

Nem todo aprendizado vem do sofrimento, nem tudo tem que servir pra evolução pessoal — às vezes só dói, e pronto.
É só um: “Tudo bem não seguir o roteiro e tropeçar no próprio pé.
Tá tudo bem não ser o destaque da reunião.
Tá tudo bem só existir.”
(Mesmo que quebre um dente ou dois — e ainda assim sorria.)

Talvez viver não seja sobre vencer, mas sobre suportar o intervalo entre uma queda e outra.
Sobre rir no meio do cansaço, achar beleza no desalinho e seguir, mesmo quando nada faz sentido.

Talvez o segredo seja esse: não deixar que o medo do fracasso impeça o próximo passo.
Porque aí sim o fracasso é garantido — e sem nem o benefício da tentativa ou reembolso.
Mesmo que pareça loucura, improvável ou inútil, que a gente lute, ainda assim, pelo que acredita.
Tropeçar tentando vale mais do que ficar de pé fingindo estabilidade.
No fim, desistir é morrer aos poucos — e morrer de tédio é o pior tipo de falecimento.

Afinal, essa nossa mania de achar que a felicidade mora no “depois” — depois do emprego certo, do amor certo, da casa própria — é uma das maiores armadilhas da modernidade.
Porque, enquanto o “depois” não chega, a vida acontece.
E passa!

Por Sarah Bruning Ascari
Psicóloga, colunista medíocre e fundadora oficial do Clube dos Fracassados Assumidos.

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Aceito propostas, críticas construtivas e cafés.
Só não vale pirâmide financeira e spam (a não ser que venham com boletos pagos).

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