14 novembro 2025 - 10:49
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Amor próprio é um bicho arisco

(E não, não vou te passar uma receita mágica pra domesticar ele)

Amor próprio não é essa entidade iluminada que o Instagram pinta, com gente sorrindo para o nada e legendando “me reencontrei”.

Meu reencontro geralmente é com minhas olheiras, cabelo desgrenhado, a pia com pilhas de louça e minha conta bancária pedindo socorro.

Profundo, eu sei.

A verdade é que amor próprio é um bicho arisco.

Não aparece quando a gente chama, não atende ligação, não manda mensagem avisando que vai atrasar.

Mas ele pode surgir nos piores momentos, tipo quando tu já tá sem crédito emocional nenhum e, mesmo assim, consegue respirar fundo antes de responder uma mensagem idiota.

Quando tu cria coragem de recusar o pedido do teu chefe escroto.

Ou quando tu olha um convite pra se meter em encrenca emocional de novo e diz “hoje não, Satanás”.

Amor próprio é maturidade disfarçada de reflexo tardio.

Todo mundo acha que amor próprio é só sobre se sentir bem.

Coitados.

Se fosse assim, metade da humanidade teria alcançado a iluminação durante uma compra parcelada no cartão.

Amor próprio é sobre se manter em pé quando a vida tá empurrando pra baixo, insistindo que tu quebrou alguma regra invisível do universo e agora precisa pagar juros.

É sobre olhar pra tua plantinha morrendo no canto da sala e admitir: “sim, eu esqueço de mim também”

E, por favor, não me venham com fórmula pronta.

Se existisse manual, eu teria escaneado e salvo no Drive.

Mas o que existe é mais parecido com aquele dia em que tu levanta sem querer levantar, faz café sem vontade de café e segue vivendo porque, no fundo, tem algo em ti que se recusa a desaparecer.

Isso também é amor próprio.

Não é bonito nem instagramável (sim, inventei isso agora), mas é.

Amor próprio não é essa coisa triunfal que a gente acha que é.

Ele nasce devagar, ao perceber que tu finalmente disse “não” pra algo que te ferra há anos.

Ele cresce quando tu cansa de carregar gente que nunca te carregou.

Ele floresce quando tu admite que tá quebrada, mas não morta.

E, às vezes, amor próprio tem a cara de uma amiga que passou vinte anos no escuro e agora tá tateando as próprias bordas pra descobrir onde termina o casamento e onde começa ela mesma.

E vamos combinar uma coisa: amor próprio não é glamour.

É comer antes de desmaiar, desligar notificação que te suga a alma e não aceitar migalha emocional.

Poético? Não.

Funcional.

Amor próprio também é aprender a parar de justificar quem te trata mal.

É dizer “chega” antes de ser empurrada pro precipício.

É saber que não existe mantra no espelho capaz de substituir o básico: limite.

E, sim, amor próprio é uma bagunça.

É meio feio, meio torto, meio remendado.

É escolher sobreviver a ti mesma todos os dias.

E se tu acha que um dia vai “chegar lá”… esquece.

Amar-se é processo contínuo, não diploma.

Não tem cerimônia de formatura, nem foto com capelo.

Tem recaída, tem recomeço, tem vergonha alheia.

E tem coragem.

E antes que alguém romantize isso: amor próprio não te transforma em monge zen.

Não te deixa leve, etérea e iluminada.

Só te impede de repetir as mesmas burradas por tempo demais.

Se fosse bonito e organizado, estaria no feed.

Mas amor próprio mora é nos rascunhos da vida.

No fim, amor próprio é isso:

um aceno discreto pra si mesma, no meio do caos, dizendo “continua, porra, ainda não acabou”.

Só isso.

E, sinceramente, já é suficiente para atravessar mais um dia.

Por Sarah Bruning Ascari — psicóloga em crise permanente, cronista por teimosia e sobrevivente habilitada das próprias ruínas.

📩 Contato: sahbruning@gmail.com Aceito propostas, críticas construtivas e cafés. Só não vale pirâmide financeira e spam (a não ser que venham com boletos pagos).

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