Início de dezembro tem o charme de um boleto vencido: aparece na tua frente e
pergunta, com a maior cara de pau, se tu já percebeu que o ano acabou.
E é aí que surge a pergunta existencial mais sincera e agressiva do ano:
“QUE DIABOS EU FIZ ESSE ANO TODO?”
A resposta é curta, objetiva e deprimente:
Nada.
Nada do que tu jurou em janeiro, cheio de esperança, boa intenção e delírio
temporário.
A lista de metas parecia linda no primeiro dia do ano.
Só que aí chegou março.
E março faz isso com as pessoas:
tu piscou, trabalhou três dias, perdeu a vontade de viver no trânsito, pagou uns
boletos, e pronto — a lista evaporou.
Ela se dissolve igual comprimido em água quente.
Em março, ninguém nem lembra onde guardou aquilo.
Se procurar, acha só o papel amarelado no fundo de uma gaveta emocional
cheia de poeira.
E o resto do ano vira sobrevivência básica.
A gente passa onze meses apagando incêndio, remendando o humor com fita
crepe, tentando não surtar no expediente e respirando no automático pra não
desmaiar.
Não sobrou espaço pra virar atleta, poliglota, iluminada ou minimalista.
E dezembro escancara isso.
Porque dezembro transforma o país inteiro em elenco de The Walking Dead de
baixo orçamento:
olheiras profundas, passos arrastados, energia vital operando só na teimosia e
na promessa mentirosa do próximo feriado.
Tá todo mundo cansado, indisposto, se esforçando pra não morder ninguém e
funcionando no modo “vai, aguenta só mais 20 dias criatura”.
E é nesse estado apocalíptico que ela volta:
a lista de metas de janeiro.
Mas não como motivação.
Como assombração.
Ela reaparece no início de dezembro igual fantasma passivo-agressivo:
paira na tua frente e sussurra, com uma ironia que deveria ser crime:
“E aí, querida… lembra de mim?”
E ela cobra tudo:
— academia?
Não foste.
Em fevereiro tu ainda fingiu que ia começar na segunda. Depois disso, nada.
— inglês?
Ficou só no aplicativo instalado.
— planejamento financeiro?
Segue um conceito abstrato na tua vida.
— meditação?
Tentou dois dias e teve raiva do silêncio.
— paz interior?
Extraviada em meados de fevereiro.
Dezembro começa assim: com culpa, cansaço e comparação.
Mas ele termina diferente.
É só na última semana do mês, quando o ano tá respirando por aparelhos, que
tu aciona a coisa mais humana que existe:
a esperança impossível.
E aí sim surge a fênix.
Linda, falsa, otimista.
A nova lista de metas nasce toda poderosa, cheia de promessas que tu sabe
que não vai cumprir, mas escreve mesmo assim — porque mentir pra si mesma
faz parte do ritual de passagem.
E tudo bem.
Recomeçar é o que a gente faz de melhor, mesmo sabendo que, em março, vai
esquecer tudo de novo.
Porque a verdade é simples:
ninguém cumpre todas as metas.
Nem deveria.
A vida não é planilha.
É tropeço, improviso, caos e algumas pequenas vitórias que salvam a sanidade
no meio do caminho.
Se dezembro traz a assombração das promessas, janeiro traz a audácia de
prometer tudo de novo.
E talvez seja isso que mantém a gente funcionando:
a capacidade ridícula e linda de recomeçar, mesmo sabendo que vai falhar de
novo.
Por Sarah Bruning Ascari – Psicóloga em crise existencial, colunista por teimosia
e especialista em dizer verdades que muita gente prefere continuar evitando.
e-mail sahbruning@gmail.com
Aceito propostas, críticas construtivas e debates civilizados.
Só não aceito pirâmide financeira, corrente de oração, spam e coach.
(Já tentei pensar positivo. Não funcionou.)




























