Confraternização da empresa de fim de ano não é festa.
É teatro corporativo obrigatório, financiado pelo RH e pago com a saúde mental
dos funcionários.
Ninguém vai porque quer.
A gente vai porque, se não for, vira assunto.
Vira pauta da copa, do corredor, do cafezinho morno com gosto de desgosto e
cheiro de desespero.
“Tá de mal?”
“Se acha melhor que os outros?”
“Nem apareceu…”
E pronto: teu nome entra na lista invisível dos problemáticos.
No mundo corporativo, ausência não é neutralidade.
É afronta!
O palco é sempre o mesmo:
salão alugado com cheiro de gordura antiga, luz amarela tentando
desesperadamente parecer aconchegante, mesa de frios com mais sal que afeto
e uma decoração natalina reciclada de pelo menos duas gestões diferentes.
Tudo cuidadosamente montado pra fingir harmonia.
E lá estamos nós.
Atores involuntários.
O figurino é padrão: roupa social desconfortável, sorriso ensaiado, paciência
vencida.
A energia vital?
Pediu demissão lá por setembro.
Começa o balé social.
Abraços suados, beijos molhados, fora de ângulo.
Contato físico excessivo pra gente que passou o ano inteiro se evitando.
E aquele cheiro de perfume exagerado e ruim que sobe pelas narinas e quase
desce em forma de lágrima de rinite.
— “Que bom te ver!”
Mentira.
— “Vamos brindar!”
Desespero líquido.
Todo mundo fingindo que aquilo não é só mais um protocolo a cumprir antes de
poder ir embora, calculando se ainda dá pra ir embora sem parecer grosso.
Porque ninguém queria estar ali.
Queriam estar bebendo com amigos de verdade.
Ou em casa, na cama assistindo Netflix ou só olhando pro teto em silêncio
mesmo.
Qualquer coisa que não envolvesse gente que tentou puxar teu tapete o ano
inteiro e agora faz cara de paisagem pra “não pesar o clima”.
Mas pesa.
Sempre pesa.
As panelinhas se formam com a precisão de um documentário ruim do
Discovery Channel.
Num canto, alguém comenta o vestido verde-limão da fulana.
No outro, alguém analisa quanto o sicrano comeu e conclui, com falsa
preocupação, que “não é à toa que engordou”.
Tem sempre quem observe tudo com ar superior, como se não estivesse
fazendo exatamente a mesma coisa.
Ninguém tá relaxado.
Todo mundo tá se vigiando.
Aí vem o momento mais constrangedor da noite:
o discurso.
O microfone chia.
A alma encolhe.
Alguém da chefia distante começa a falar em “família”, “união”, “espírito de
equipe”.
As mesmas palavras bonitas ditas por quem passou o ano inteiro ignorando
demandas, minimizando cansaço e cobrando resultado como se gente fosse
máquina.
Família corporativa…
No máximo um aglomerado de colegas disfuncionais que se toleram por boleto.
Ninguém escuta.
Todo mundo conta mentalmente quanto tempo falta pra poder ir embora sem
parecer deselegante.
E então chega o auge do teatro:
a foto oficial.
“Sorriam!”
O flash captura uma mentira coletiva:
abraços forçados, corpos inclinados por obrigação, olhos cansados.
Uma imagem que vai parar no mural da empresa com legenda inspiradora e
zero correspondência com a realidade.
Depois disso, só resta sobreviver até o final.
Porque tem gente ali que tu não suporta mais.
Mas se disser o que pensa…
talvez teu réu primário fique em risco.
Então tu faz o que qualquer pessoa minimamente inteligente faz:
sorri e acena.
Como os pinguins espertos de Madagascar.
Finge demência.
Não por falsidade.
Mas por sobrevivência.
Porque o mundo corporativo não te reconhece pela tua verdade.
Te reconhece pelo crachá.
E dezembro não premia sinceridade.
Premia quem aguenta calado, performa bem e vai embora sem causar ruído.
No fim das contas, confraternização não celebra nada.
Ela só testa quem ainda consegue fingir mais um pouco.
E, se tu reclamar demais…
ano que vem ainda te colocam pra organizar a festa.
Por Sarah Bruning Ascari — psicóloga em crise existencial, colunista por
teimosia e especialista em dizer verdades que muita gente prefere evitar.
Contato: sahbruning@gmail.com
Aceito propostas, críticas construtivas e debates civilizados.
Só não aceito pirâmide financeira, corrente de oração, spam e coach.
(Já tentei pensar positivo. Não funcionou.)





























