3 dezembro 2025 - 7:02
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A SAÚDE MENTAL E O CIRCO DOS RÓTULOS

(Nem tudo é falta de Deus — às vezes é só falta de serotonina mesmo.)

Tem gente que descobre um diagnóstico e sente como se tivesse recebido uma
sentença.
Outros tratam como xingamento.
E tem o terceiro grupo: o pessoal que simplesmente prefere fingir que tá tudo
ótimo, desde que ninguém coloque uma palavra no prontuário deles.
Medo do rótulo.
Como se o rótulo fosse pior que a vida já escorrendo pelas frestas.
E no meio disso tudo, aparece a torcida organizada da ignorância distribuindo
opinião grátis.
Sempre tem um.
Ou vários.
“É falta de Deus.”
“É drama.”
“É só pensar positivo.”
“É só se ocupar.”
“É só ter fé.”
“É só tomar chá.”
“É só trabalhar que passa.”
E a minha favorita: “É só querer.”
Claro…
Se serotonina subisse na base do “vai com fé, guerreira”, a psiquiatria inteira
tava desempregada e os coaches seriam os novos Nobel.
Aliás, a escola dos coaches espirituais adora oferecer a cura instantânea pra
ansiedade, depressão e qualquer coisa que o cérebro ousar sentir:
acorda às 5h, toma banho gelado, agradece o Universo, repete um mantra no
espelho e finge que isso vai reorganizar teus neurotransmissores.
Porque aparentemente o cortisol morre de medo de uma rotina matinal
motivacional.
Agora vamos à outra metade da tragédia humana:
as pessoas que, depois de receber um diagnóstico, resolvem morar dentro dele.
Transformam transtorno em sobrenome.
Sintoma vira identidade.

CID vira cartão de visitas.
“Eu sou assim porque tenho X.”
“Me aguente, meu transtorno é Y.”
“Não posso mudar, meu diagnóstico é Z.”
É outra forma de adoecer.
Reduzir a própria existência ao transtorno é tipo comprar um livro e ler só a
contracapa.
É preguiça emocional com fantasia de autoconhecimento.
Não somos só sombras.
Não somos só desequilíbrios químicos.
Não somos só crises.
Somos história, humor, escolha, afeto, teimosia, força, ironia e uma porção
indecente de sobrevivência.
Um transtorno pode explicar uma parte tua.
Mas jamais explica tudo.
Nem de longe.
Mas vamos ao que interessa:
diagnóstico não é sentença e nem desculpa pra más escolhas.
É mapa.
E mapa não define ninguém, só mostra um caminho possível.
Largar tratamento por medo do nome do transtorno é basicamente escolher
sofrer com estilo.
Dói bonito, quase poético.
E completamente desnecessário.
Medicação não rouba tua essência.
Não apaga tua personalidade.
Não te transforma em zumbi.
Isso é lenda urbana de quem acha que “bula” é nome de cachorro.
Medicação tira sintoma.
Ponto.
É a muleta que te deixa de pé quando tua perna psíquica já não aguenta mais te
carregar sozinha.
Mas remédio não resolve problema.
Remédio te deixa forte o suficiente pra olhar o problema.

E é aí que entra terapia.
Não como confessionário, nem como papo motivacional, nem como sala de
espera do paraíso.
Terapia é ato cirúrgico.
É o lugar onde a gente coloca o dedo na própria ferida e limpa tudo aquilo que
cheira mal há anos.
Assim como uma ferida física precisa de cuidado diário pra não infeccionar, tua
mente também precisa ser lavada, revisada, cuidada.
E isso dói.
Mas cura.
E a verdade, por mais dura que seja, é simples:
cuidar da mente não é fraqueza.
Fraqueza é insistir em se destruir porque o mundo tem opinião demais sobre tua
dor.
O mundo não acorda no teu corpo.
Não sente teus gatilhos.
Não paga o preço das tuas madrugadas ruins.
Então sim, cuide-se.
Com medicação quando precisar.
Com terapia sempre que puder.
Com coragem pra olhar pra dentro.
Com teimosia pra seguir.
Porque no fim das contas, o rótulo não importa.
O que importa é a vida que a gente reconstrói depois de parar de fugir de si.
E viver inteiro — apesar do mundo, apesar das vozes, apesar dos medos —
é o ato mais revolucionário que existe.

Por Sarah Bruning Ascari — Psicóloga funcional, colunista sarcástica e
especialista em dizer verdades que muita gente prefere continuar evitando.
�� sahbruning@gmail.com
Aceito propostas, críticas construtivas e debates civilizados.
Só não aceito pirâmide financeira, corrente de oração e coach.
(Já tentei pensar positivo. Não funcionou.)

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