21 novembro 2025 - 11:14
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A arte tentar caber onde não nos querem inteiros

(Manual pra quem ainda acha bonito viver apertado)

Tem lugar que exige mais atuação que peça de teatro.
Trabalho, família, amizades, relacionamentos… tudo cheio de plateia que aplaude enquanto a gente desmorona nos bastidores.

A rotina é simples:
a gente veste a máscara do dia, ajeita a postura, ensaia um sorriso funcional
e torce pra ninguém notar que existe um ser humano ali atrás, tentando não surtar às 10h35 da manhã.

No serviço, a gente vira a versão “profissional”, travada, diplomática,
porque autenticidade pega mal no crachá.
Na família, a versão “equilibrada”, sempre pronta pra provar que não enlouqueceu.
Com amigos, a versão “legalzinha” que ri das piadas tortas pra não virar pauta no grupo.
Nos relacionamentos, a versão “paz e amor” que esconde intensidade pra não virar diagnóstico.

É quase uma coreografia social.
E a gente dança direitinho.
Quase sempre.

Até que um dia, no meio de uma conversa boba, uma memória maldita ou um comentário jogado sem querer, o teatro desmonta.
E bate aquela certeza incômoda, quase cínica: a gente não era difícil demais.
Era o ambiente que era estreito demais.

A gente se encolhe pra caber no serviço, na família, nos grupos, nos rolês, nos afetos mornos…
Se cala, se molda, reprime as partes que incomodam
pra não atrapalhar um equilíbrio que nunca favoreceu ninguém.
E ainda chama isso de convivência saudável.
Pra quem, exatamente?

E o mais ridículo disso tudo?
Funciona.
Ambiente nenhum expulsa quem se adapta ao próprio sufoco.

Só que chega o dia do basta.
Aquele cansaço que não avisa, só derruba.
Aquele sentimento de “não é possível que eu ainda esteja tentando caber num lugar que não comporta nem metade do que sou”.

No fundo, a grande comédia humana é essa:
todo mundo fingindo que cabe, ninguém cabendo de fato,
e a vida inteira acontecendo no intervalo entre uma máscara e outra.

Porque ser tratado com gentileza é ótimo,
mas ser visto de verdade é outra liga.
E exige coragem dos dois lados:
tanto pra ver quanto pra ser visto.
E isso é raro.

Aí a ficha cai:
a gente tava vivendo um tipo discreto de cárcere emocional,
uma cela sem grades onde todo mundo se comporta bem
e ninguém fala sobre o incômodo de existir apertado.

E quando isso acontece, não tem mais volta.
Ou a gente continua sendo uma versão reduzida de si,
ou aceita que crescer significa arrumar briga com algumas molduras.

Por Sarah Bruning Ascari   — Psicóloga cansada demais pra fingir que tá tudo bem e colunista que escreve o que muita gente sente, mas não admite nem sob tortura.

📩 Contato: sahbruning@gmail.com

Aceito propostas, críticas construtivas e cafés.

Só não vale pirâmide financeira e spam (a não ser que venham com boletos pagos).

 

 

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